segunda-feira, 11 de julho de 2016

XEQUE-MATE


 
 


Xeque-mate
 
 
O princípio único do inferno é este: ''Eu sou meu''.
 
                                                --- GEORGE  MACDONALD




[...]
 
 
Lembre o leitor que eu sempre quisera, acima de tudo, não sofrer ''interferências''. Queria (desejo insensato) ''chamar minha a minha alma''. Eu sempre me preocupara muito mais em evitar o sofrimento do que em alcançar o êxtase. Eu sempre almejara responsabilidade limitadas. O próprio sobrenatural fora para mim, primeiro, uma bebida ilícita, e depois, como na reação de um ébrio, elemento nauseante. Mesmo a tentativa mais recente de viver minha filosofia fora secretamente (agora o sabia) cercada de toda sorte de reservas. Eu sabia muito bem que meu ideal de virtude jamais poderia me levar a algo intoleravelmente doloroso; eu seria ''racional''. Mas agora que fora ideal tronava- se ordem; e o que não se deveria exigir de mim?

Sem dúvida, por definição, Deus era a própria Razão. Mas também seria Ele ''racional'' naquele outro sentido, mais confortável? Quanto a isso eu não tinha a menor garantia. Exigia-se submissão total, o absoluto salto na escuridão. Envolvia-me a realidade com a qual acordo nenhum se pode fazer. A exigência não era nem sequer ''Tudo ou nada''. Acho que esse estágio já fora superado, no andar superior do ônibus em que me livrei da carapaça e em que o boneco de neve começou a derreter. Agora a exigência era simplesmente ''Tudo''.

O leitor precisa-se imaginar-se sozinho naquele quarto em Magdalen, noite após noite, sentindo -- sempre que minha mente se desviava um instante que fosse do trabalho -- a aproximação firme e implacável dele, aquele que com tanta determinação eu não desejava encontrar. Aquilo que eu temia tanto aspirava afinal sobre mim. Cedi enfim no período letivo subsequente à Páscoa de 1929, admitindo que Deus era Deus, e ajoelhei-me e orei: talvez, naquela noite, o mais deprimido e relutante converso de toda a Inglaterra. Não percebi então percebi então o que se revela hoje a coisa mais ofuscante e óbvia: a humildade divina que aceita um converso mesmo em tais circunstâncias.

O Filho Pródigo afinal caminhava para casa com as próprias pernas. Mas quem é que pode respeitar de fato o Amor que abre os portões a um pródigo que é arrastado para dentro esperneando, lutando, ressentido e girando os olhos em torno, a procura de uma chance de fuga? As palavras compele intrare, forçá-los a entrar, foram tão violentadas por homens impiedosos que chegamos a estremecer diante delas; mas, entendidas de forma correta, determinam a profundidade da misericórdia divina. A dureza de Deus é mais suave que a suavidade dos homens, e sua coerção é nossa libertação.


(Extraído do Livro: Surpreendido pela Alegria, C. S. Lewis, Capítulo 14 Xeque- Mate, p. 202 e 203)







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